terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Srta. E.

Não sei se é o final do ano, o cansaço de trezentos e cinquenta e alguns dias passados. Não sei se são as experiências vividas em tal época, mas tal tempo tem me deixado mais sensível do que sou. ( Mas será possível? Sim, o é.)
E dentro desse quadro de sensibilidade aflorada, hoje, senti um prazer inigualável. Recebi um abraço de uma estranha. Não de uma qualquer, visto que não era uma "total" estranha, mas sim a Srta. E.
Há dois meses, entrou pela porta de meu consultório ( o "meu" é pura soberba, porque de "meu" ele não tem nada :] ) uma mulher baixinha, de cabelos engrunhados e engordurados, óculos riscados, de armação suja, roupa folgada e descosturada em vários pontos. Como sempre costumo fazer, abri um sorriso e dei boa tarde a ela, Srta. E. A resposta a tal sorriso, surgiu com uma igual atitude, encoberta por uma mão de unhas mal feitas e sem cor.
Sentada em minha cadeira ( olha a soberba, Henrique... easy!) ela timidamente, começou a relatar o motivo de sua visita. E no meio de seu relato, seus olhos marejaram ... Um dente feio, um único dente. Realmente feio, e que pôde destruir uma pessoa. Sim, pôde.
Começamos naquele mesmo dia o tratamento, que coberto pelo plano de saúde de Srta. E., poderia ser realizado sem que ela precisasse gastar "tantos" Reais, os quais nem possuía.
Objetivo: Clareamento interno, em 20 dias, com uma resposta bastante razoável. E faceta em resina, acabamento em TDV ( très technique, né? )
E uma interessante mutação se deu ao longo de 25 dias. A cada semana, um detalhe mudava ao passo que um incisivo central superior descia numa escala de matiz e reduzia sua tonalidade, depois de ganhar forma com um pouco de resina.
Corte de cabelo, que passou a ser liso e escovado. Roupas mais bonitas e elegantes. Decotes, maquiagem, e unhas bem feitas e pintadas foram surgindo, chegando a um ápice aclamável hoje.
Depois de 40 minutos de atendimento, Srta. E. levantou da cadeira, me pediu o espelho de rosto e por cerca de 20 segundos ficou parada, sorrindo para si mesma. Vira-se pra mim, cheirando a algo que lembrava os campos de flores de Jeffersonville (IN) dizendo: "O senhor fez um milagre. Dias antes de vir aqui eu quase extraí esse dente, e olhe pra ele hoje. Olhe pra mim hoje. Até meu namorado, voltou a me querer!". ( sounds familiar?) ... E chorou.
Tá, eu não chorei. Mas tive muita vontade. Recebi um abraço apertado, um sincero obrigado olho no olho, e vi sair pela porta a Srta. E. com seus 42 anos, uma mulher bonita, sorridente e feliz, abraçando sua filha de sete ou oito anos e dizendo: "Olha filha, como mamãe tá com o sorriso lindo. "
Fiquei ali, em pé ao lado da janela, pensando, inerte. Feliz. Realizado.
Realizado por realizar alguém. Por sentir que posso sim, fazer alguém feliz de fato.
E talvez isso, num dia em que corri entre duas clínicas odontológicas, dois bancos com filas homéricas e uma festinha de aniversário tenha sido a coisa mais sublime que me ocorreu nos últimos meses: o prazer de ver alguém feliz e se ver sendo parte ativa disso.
Salve, Salve a Srta. E., e seu sorriso novo :)

Ele, novamente.

Here we stand
Somewhere in between this moment and the end
Will we bend?
Or will we open up and take this whole thing in
Everybody else is smiling Man, their smiles don't fade
You don't even wonder why
You just don't think that way
Maybe you and me got lost somewhere
We can't move on we can stay here
Maybe we've just had enough
Well, maybe we aint meant for this love
You and me tried everything
But still that mockingbird wont sing
Man this life seems enough
Well maybe we aint meant for this love
Take my hand
I will lead you through the broken promise land
Yes I can oh yes I can, I can be there when you need it
I'll give it all til you can't feel it anymore
I don't wanna love you now
If you'll just leave some day
I don't wanna turn around
If you'll just walk away
Rob Thomas - Mockingbird.
E como me disse alguém um dia: ouça as letras dele. Alguma delas vai retratar exatamente o que voce está passando no momento, no SEU momento. E eu, em minha humildade, sou obrigado a concordar.